Foi traído pela arma de um companheiro de caça, na qual um cartucho esquecido parecia aguardar silencioso para sair disparado em direcção ao coração do tesoureiro do Clube de Caçadores da Trofa.
Quando saíram, na terça-feira, rumo ao Alentejo, à caça de perdizes, os sete caçadores não imaginavam o desfecho trágico no regresso à Trofa, anteontem à noite, onde haviam ficado os carros de alguns membros do grupo (com idades entre os 55 e os 74 anos), no Bairro da Capela, perto do parque Senhora das Dores, no centro da cidade.
O tropeção provável numa área de rua danificada terá sido fatal para Camilo Sá Rodrigues, de 72 anos, que segurava a caçadeira de um colega enquanto o material era distribuído pelos veículos. "Surgiu um carro para entrar na garagem e ele recuou. Mas o passeio está danificado e tem um ressalto. Ele tropeçou e deixou cair a arma, que bateu no chão e disparou", relata José Maria Silva, amigo e companheiro de caçadas de longa data. Eram 23 horas. A caçadeira caiu na direcção de Camilo, certeira ao coração.
Com o som do disparo abafado pelo saco que guardava a arma, os colegas, que arrumavam os haveres, não se aperceberam logo do sucedido. "A senhora da frente gritou e pensamos que houvesse problemas naquela casa", explica José Maria. "Só depois é que vimos que ele estava morto. Aconteceu tudo em 15, 20 segundos", descreve o companheiro de Camilo, algures entre o choque e a resignação.
Na verdade, ninguém testemunhou o que aconteceu, nem mesmo a vizinha apontada por José Maria Silva. A mulher, que não quis identificar-se, contou apenas que, ao ouvir o barulho do tiro, assomou à porta da moradia, nada tendo visto. "Quando cheguei lá em cima é que vi pela janela o senhor estendido no chão. Fiquei em pânico e gritei".
Nega-se que tenha havido descuido. Fala-se em "esquecimento". Ainda no Alentejo, Camilo "pegou nas coisas de um caçador que tinha ido buscar a cadela e meteu as armas no carro", conta o companheiro. Celeste Rodrigues, filha da vítima, afirmou ao JN: "O dono da arma disse: "Podeis guardar a arma"". Porém, a caçadeira estava carregada. "Temos cuidado, mas às vezes acontece ficar", consente José Maria. Admite: "Por esquecimento, ficou lá um tiro, mas [a arma] estava travada", assegura, explicando que a queda pode ter feito com que o aloquete que trava a caçadeira pesasse sobre o gatilho, premindo-o. No entanto, "o cadeado não devia ter deixado disparar", acrescenta. Camilo Rodrigues era caçador desde os 16 anos, uma tradição de família, revela a filha, salientando a vasta experiência do pai. "Era muito cuidadoso; andava sempre com a arma em ordem", testemunha. "A caça era a paixão dele. Morreu da paixão. É o destino", sentencia Celeste.
O funeral deverá realizar-se às 17 horas de hoje. O caso está a ser investigado pela PJ.
Fonte: Jornal de Notícias